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Mensagens vindas de 93. Danilo Fraga Texto publicado no Caderno Dez!, A Tarde.
Mais de uma década atrás, no ano de 1993, ainda não existiam indies. Naquela época ser “alternativo” significava gostar de algumas bandas de rock norte-americanas que, como Fugazi e Rites Of Spring, buscavam uma nova forma de tocar punk rock. Suas letras não tratavam de crítica social, mas de temas subjetivos; suas músicas iam além dos três acordes básicos do punk, experimentando a dissonância, novos ritmos, novos timbres e, principalmente, novos arranjos vocais. Ainda dava para chamar “isto” de punk rock? Talvez não. Emo, emocore ou simplesmente alternativo foram definições comuns para este tipo de música.
Mais ou menos nesta mesma época surgiam no Brasil bandas como o CPM 22, que pouco a pouco descobriam procuravam a formula mágica para fazer emocore em português. Na verdade, eles importavam a métrica e entonação das bandas americanas com poucas modificações – o que, na prática, consistia em terminar todas as sentenças com um verbo e esticar última sílaba deste até o final do compasso. No decorrer da década surgiram outras soluções para o problema, como a do Dance of Days e Noção de Nada – ambas frustradas. Com uma sonoridade mais vendável, bem na fronteira entre o hardcore melódico californiano e o emocore, o CPM 22 terminou a década como uma das bandas de rock brasileiro de maior visibilidade. Foi ela que trouxe este tipo de sonoridade ao conhecimento do gosto médio.
Acontece que, acidentalmente ou não, “1993” também é o nome da melhor faixa de “Revés em si bemol”, o primeiro álbum da baiana Mirabolix – banda formada por Matheus Brasil [guitarra e violão], Davi Cokeiro [bateria, trompa e escaleta], Rafael Nunezz [voz], Maurício Tokimatsu [guitarra] e Bernardo Von Flach [baixo e gritos]. O lançamento do álbum é nesta quarta, dia 07 de dezembro, a partir das 22 horas no Miss Modular [Rio Vermelho]. Além de Marabolix o show conta com a participação da banda Automata e dos Djs Big [hip hop], Roots [drum'n'bass] e Bassick [drum'n'bass]. O ingresso é R$ 7, mas pagando R$ 20 você leva também o CD da banda.
Na primeira faixa do álbum, “Redemoinhos”, já se percebe que grupo tem uma relação estreita com o emocore americano: guitarra pesada, mas não muito suja, dissonâncias, bateria alternando entre versos rápidos e cavalgados e outros mais cadenciados, arranjo vocal bem trabalhado, enfim, todos os clichês do gênero são [bem] explorados nesta canção. Assim também se passa em “Tudo de novo; começo sem fim”, “Histórias que não teria deixado para trás...”, “Ciscos na Imensidão”, “Agressões Noturnas”, entre outras.
Mas é quando a primeira faixa dá lugar a “Pular no Mar” que percebemos que Mirabolix é muito mais do que isso. Neste álbum, o emocore dá lugar a todo tipo de experimentação – com instrumentos heterodoxos [como trompa, escaleta, violino, oboé e maquina de escrever], efeitos sonoros estranhos, conversas pelo telefone, além diálogos com gêneros bem diversos. Lembrando que uma das principais características do emocore é exatamente a experimentação e questionamento das fronteiras do punk rock, Mirabolix tem o mérito de transportar a experimentação de bandas como The Get Up Kids [com seus arranjos de teclado que as vezes lembram Duran Duran] para o cenário da música brasileira. Neste sentido a bossa nova de “1993” e “Já passou”, o samba de “Mundo Velho” e “Pular no Mar” e o blues pra lá de psicodélico de “Naked by” fazem todo o sentido.
E não é somente na sonoridade que a banda dialoga com o emocore. O material promocional [sites, fotos, encartes] são típicos do gênero, além das letras e vocalizações da maioria das canções. Na verdade, as experimentações da banda é só mais uma prova que eles dialogam com o gênero do The Get Up Kids. A banda tem um grande mérito: conseguir adaptar perfeitamente a dicção do emocore para o português sem precisar apelar para o alongamento vocálico do CPM 22. Assim, Mirabolix quase consegue fazer o emocore soar adulto, se é que isto é possível.
Revés em si bemol Atalho Discos R$ 15
Música para feriados nublados
Pedro Fernandes
Texto publicado originalmente no Caderno Dez! do A Tarde
No livro “Admirável Mundo Novo”, Aldous Huxley descreve, num futuro não muito distante, uma sociedade dividida em castas, onde a conformidade ao Estado totalitário passa por processos de condicionamento mental e pelo uso do soma, uma droga que produz ao mesmo tempo felicidade e letargia. Sem alterar sentidos e, ao contrário da droga futurista, trazendo uma carga de melancolia lúcida que só se experimenta em feriados nublados, a banda baiana Soma lança “Dramorama”, seu primeiro EP gravado em estúdio e com participação de todos os integrantes da banda. Em 2001, Rafael Cavalcanti [voz e guitarra] e Josh [guitarra] começaram a fazer algumas composições, gravaram algumas com o baixo e a bateria programados no computador, um rascunho do que deveria ser o som da banda. Começaram a procurar gente para formar o grupo. Em dezembro daquele ano, Rogério Alvarenga [baixo e voz] e Edu Marquez [bateria] se juntaram ao dois primeiros para completar a Soma. Em janeiro de 2002, começaram a tocar por diferentes espaços da cidade. Lançaram o EP “Eu, o Alien”, feito com as gravações caseiras. Gravaram um outro trabalho em parceria com a banda uruguaia Dante Inferno. Se antes havia diferença entre as gravações e as apresentações ao vivo da banda, determinada pela ausência de Rogério e Edu nas primeiras, agora, com “Dramorama”, o som da banda se torna um só. “É o registro do que é a banda. A escolha das músicas reflete o nosso momento atual”, diz Rafael.
Experiência – Para a Soma, o novo EP representa uma etapa pela qual era necessário passar. Rafael: “Queríamos gravar um CD, mas o EP veio como experiência de um processo de gravação. Não é só para as pessoas ouvirem. É para a gente também se ouvir. Um exercício de repertório e estilo, do conceito do nosso som”. Embora exista uma sintonia nas preferências musicais dos integrantes, onde a influência de bandas como Radiohead está mais do que marcada, há espaço para referências menos claras e que só mesmo eles ou um ouvido bastante aguçado seriam capazes de identificar. Talvez um pouco [mesmo] do Korn, trazido por Rogério, ou das atuais influências jazzísticas de Edu. Mas não fogem das influências mais óbvias, e Rafael as defende. “As pessoas têm de legitimar referências a bandas contemporâneas. Pode citar o Velvet Underground só porque eles não existem mais, mas dizer que é influenciado pelo Coldplay, não. Acho bobagem”. A produção do novo EP foi totalmente independente. Não houve nenhum tipo de patrocínio. Rogério: “Tivemos o apoio de muita gente, conseguimos preços módicos no estúdio e, como tivemos um período de pré-produção longo, sabíamos exatamente o que queríamos. O que faltava definir era o número de músicas. Seriam quatro, mas não deu pra resistir e não gravar as cinco”
Amor, naturalmente - “Dramorama” é para dias chuvosos. Cada música poderia ser uma parte desse dia. “Coma”, a primeira faixa, é uma manhã fria, com uma guitarra que poderia ser gotas de água batendo no vidro da janela. “Meu Dilema” é a seguinte. Deu meio-dia, o telefone não deu sinal de vida. Com “Conversas & rock’n’roll”, você resolve sair da fossa, dar uma volta e ver coisas diferentes. Na quarta faixa, “Novo ou Velho”, o dia vai acabando e nada aconteceu. “Dramorama”, a número cinco, é um sorriso hipotecado para amanhã, uma guitarra um pouco mais ácida e um coral de estrelas pálidas no horizonte.Além do apuro técnico proporcionado por uma gravação em estúdio, o talento dos caras fica evidente. Tanto nas músicas e nos arranjos, bem-elaborados, mas sem muitas firulas, quanto nas letras de Rafael, belas, simples e verdadeiras.A unidade do EP surpreende. As cinco músicas são diferentes o suficiente para ser separadas em faixas, mas quase se completam e poderiam contar uma só história. De amor, naturalmente. De uma desilusão ou de uma certeza suspeita de que as coisas ficarão bem, mas não hoje.
Dramorama Soma R$ 8
escrito
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Pedro Fernandes
Vintage mania
Pedro Fernandes
texto publicado originalmente no Caderno Dez! do A Tarde
O vintage virou moda e por isso é um filão crescente no mercado fonográfico. O lançamento do primeiro disco da banda carioca Ramirez vem para reforçar essa teoria. O som da banda, embora um pouco mais veloz, tem a doçura de baladinhas cinqüentistas a la Platters e Penguins. O clima é de baile anos dourados sem gomalina nos cabelos. Mistura já testada e aprovada pelo Los Hermanos em seu álbum de estréia. Há três anos, quando saiu de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, Thiago Pedalino [voz e guitarra] já tinha escrito praticamente todas as músicas desse CD, “Ramirez”. Só faltava encontrar o resto da banda. Frank Dias [baixo e voz] ele já conhecia da sua infância passada no Rio de Janeiro. O resto da banda, Rafael Cosme [guitarra e voz] e Matheus de Giacomo [bateria], veio depois.
Processo – Logo gravaram a primeira demo da banda, meio tosquinha, num esquema mambembe, mas que serviu para despertar o interesse do produtor Marco Sketch, do selo Performance Be Records, com quem assinaram e produziram uma nova demo, com as mesmas músicas da primeira, mas de uma maneira mais elaborada e com uma cara mais profissional. “Foram dois anos de underground intenso, tocando em bares para duas pessoas, até começar a fazer shows grandes no Rio”, conta Thiago. Daí para despertar o interesse de uma grande gravadora foi rápido e gravar o primeiro CD foi mais rápido ainda. Nem foi necessário gravar as vozes, que aproveitaram da segunda demo. A banda já tinha um número razoável de fãs e vinha destacando-se em festivais de música como o Mada [Música Alimento da Alma], de Natal, Rio Grande do Norte, do ano passado, além de vencer como revelação o “Prêmio Claro de Música Independente” e melhor canção [“Alguém Melhor”, faixa 1 do CD] e melhor demo no “Prêmio London Burning” de 2003.
Imaturo e previsível - Os caras têm competência, mas ainda há bastante o que amadurecer na sonoridade da banda, marcada por fortes influências da Jovem Guarda, Beatles e grupos vocais da década de 50, mescladas a batidas atuais, do pop ao hardcore. Porém, é tudo tão explicitamente reconhecível, que um incômodo inicial é inevitável. O álbum é feito de 11 baladas. Seguindo uma linha bastante irregular, há momentos em que o potencial do grupo se mostra e outros em que a imaturidade sonora torna-se evidente, prejudicando o resultado final da obra.Abrindo o disco, “Alguém Melhor”, com riffs velozes e poderosos. A bateria também dá certo peso à música, aliviado pela letra sentimental e pela voz suave de Thiago. Em seguida, vem “Matriz”, escolhida como a música de trabalho da banda, menos por sua qualidade que por óbvias razões mercadológicas. Refrão grudento, bateria repetitiva e guitarras enjoativas. O perfeito hit pop para tocar no rádio. “Menininha” é a baladinha cinqüentista por excelência, trocando o piano pela guitarra e com direito a coral cantando “uuuus” e “aaaas” ao fundo. A associação ao primeiro CD do Los Hermanos é imediata, embora Thiago negue uma influência direta: “Ouvimos Los Hermanos como ouvimos Pato Fu e CPM 22, eles não chegam a ser uma influência.” A quinta faixa, “Te Esquecer”, tem uma pegada hardcore interessante e ecos que lembram os Beach Boys em alguns momentos. “Me Diz” vem com a mesma fórmula da faixa 1, jogando com o binômio peso-leveza, mas dessa vez aliviando um pouco a bateria e acelerando as guitarras. Nessa alternância, as coisas caminham até a faixa 9, “Deixar pra Trás”, quando surge um country inesperado, deslocado no espaço e no tempo. “Não Vá” é alegrinha, bobinha e previsível. “Não Fique Assim” fecha o disco com a eficácia da mistura “velho com roupa nova”. Desta vez, ao contrário das outras, dando mais ênfase ao novo que ao velho, que se torna uma referência sutil e não mais uma influência tão marcada. No fim, fica a sensação de que tudo seria melhor se não houvesse tantas derrapadas no desejo exagerado de ser vintage.
Ramirez Ramirez Performance Be/Universal R$ 21,90
escrito
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Pedro Fernandes
Pop revolução Pedro Fernandes
Texto publicada originalmente no Caderno Dez! do A Tarde
Não precisa ser profundo conhecedor dos porões obscuros da world music para ter ouvido falar em Mathangi Arulpragasam, pois o nome com o qual ela se apresenta está na boca do povo. M.I.A., ou a gringa que sampleou um funk carioca em seu disco de estréia, é a nova sensação da música pop mundial. Incensada pela crítica, a moça foi destaque nas mais respeitadas publicações internacionais por fazer o que os críticos em uníssono dizem ser algo nunca ouvido antes. A verdade é que o som de M.I.A parece mesmo diferente de qualquer coisa pelo amontoado de referências cosmopolitas contidos no mesmo CD e, às vezes, em uma mesma música. Longe de algum tipo de tentativa forçosa de serem [com o perdão do palavrão] pós-modernas, as menções de “Arular” surgem naturalmente como parte da biografia de sua autora.
Nômade – Nascida na Inglaterra, Maya, como também é conhecida, passou a infância no Sri Lanka. Seu pai era escritor e militante na guerrilha dos tâmiles, minoria étnica que exigia independência do resto do país. Quando a guerra civil estourou nos anos 80, sua família foi obrigada a fugir para a Índia. Aos 10 anos, foram para a Inglaterra. Seu pai, que usava o codinome Arular [título do seu álbum], desapareceu em combate e aí está mais uma referência ao passado revolucionário da família em sua vida artística: M.I.A. é a sigla em inglês para desaparecido em combate [Missing In Action]. Além de ser a autora de todas as músicas do CD, ela, que é formada pela Central Saint Martin’s School of Art de Londres, é a responsável pela parte gráfica do encarte, também cheia de referências a guerras, explosões e violência urbana. A disposição das letras em conjunto com as imagens forma um caleidoscópio que incomoda se colocada à parte das escolhas poéticas de toda a obra. “Arular” funciona muito bem como produto pop que vende e tem clipe nas paradas da MTV, mas com uma personalidade que não soa pré-fabricada. M.I.A. está em exposição nas prateleiras da indústria fonográfica, mas ela mesma, em sua falta de caras e bocas e pernas de fora, parece não estar à venda.
Guerrilha musicológica - O clima é o de um lugar no meio de uma cidade em ruínas de algum país subdesenvolvido arrasado por uma guerra civil motivada por razões obscuras, a não ser para os envolvidos nela. Anoiteceu e alguém sugeriu algum tipo de diversão. No palco, uma mulher de voz estridente cantando sobre bases eletrônicas e sons vindos de várias partes, identificáveis ou não, do mundo. Enquanto as pessoas que passaram o dia guerreando dançam sem se importar por quanto tempo o prédio continuará de pé, bombas estouram a poucos quarteirões de distância. Isso é “Arular”. Referências extraídas de um mundo decadente onde explosões se misturam a programações eletrônicas e letras que não buscam alívio fora da realidade. Letras e músicas em “Arular”, à primeira audição, se excluem como números de sinais opostos. Mas é justamente o contraste entre as melodias dançantes e letras que falam de guerrilhas, fuzilamentos e revolução que dá o tom de caos pós-apocalíptico ao álbum. Em “Pull Up The People” ela avisa: “Eu tenho as bombas para fazer você explodir”. E é o que ela faz em todas as faixas seguintes. Traduzindo a violência das guerras e das cidades grandes em sons pulsantes e impossíveis de não serem corporificados. Em “Bucky Done Gun”, a referência é o Rio de Janeiro e o funk carioca, com um sampler da música “Injeção” de Deize Tigrona e DJ Malboro. Em “Amazon” e “Galang”, a repetição do refrão e de fonemas por um coro de vozes femininas mais parecem mantras indianos feitos para fazer dançar. E fazem.
MIA Arular Sun R$ 28
escrito
por
Pedro Fernandes
O grande pateta Danilo Fraga
Texto originalmente publicado no Caderno Dez!, A Tarde.
Nos anos 60, no auge do colorido movimento hippie, alguns jovens começaram a usar jaquetas pretas, calças de couro e a desprezar os ideais de paz. Assim surge o Black Sabbath e o metal na Inglaterra, mas, longe da ensolarada São Francisco, também nos EUA acontecia algo parecido.
No final de 1967, em Detroit, o jovem James Osterberg reúne três amigos, Dave Alexander e os irmãos Ron e Scott Asheton, para formar uma banda. A idéia era peitar o ideal hippie e a música mais bem cuidada das bandas britânicas, fazer um som cru e pesado. Mais tarde, o jovem James seria conhecido como Iggy Pop e seu grupo, The Stooges [os patetas], entraria para a história do rock como uma das bandas mais feias, sujas e malvadas de todos os tempos.
Para quem tem menos de 50 anos, resta aproveitar a chance e conferir os Stooges no festival Claro Que é Rock – eles estão de volta depois de mais de 30 anos parados. Os shows rolam nos dias 26 e 27 de novembro, em São Paulo e no Rio de Janeiro respectivamente. Além dos Stooges, o set é considerável: Sonic Youth, Flaming Lips e Nine Inch Nails.
Blues – Quando começou sua carreira, Iggy queria tocar blues e chegou a montar uma banda, The Iguanas. Mas não era um músico virtuoso. Também não se destacava pela inteligência [como John Lennon], beleza [Jim Morrison] ou sensualidade [Mick Jagger]. A Iggy restava denunciar a falta de sentido na vida dos jovens americanos.
O som da banda era uma versão mais simples e suja do rock blueseiro tocado por grupos como Rolling Stones e Cream. Eles falavam do tédio e da apatia, pregavam a destruição de tudo o que estivesse pela frente.No palco, Iggy se mutilava com cacos de vidro, cuspia na platéia, fazia sexo com o microfone, vomitava, insultava a todos.
Os Stooges lançaram o primeiro CD em 1969. Em19 74, depois do final da banda, Iggy Pop seguiu em sua carreira solo, oscilando entre momentos memoráveis e outros, desprezíveis. Depois de três décadas, a banda se reuniu novamente no final de 2003, em formação quase igual à original: Iggy Pop, no vocal, Ron Asheton, na guitarra, e Scott Asheton, na bateria. O baixista Dave Alexander, morto recentemente, foi substituído por Mike Watt [ex-Minutemen]. Desta reunião vai sair um novo álbum, o “Skull Ring”, e uma turnê por todo o mundo – incluindo aí as apresentações no Brasil.
Punk - Em sua carreira meteórica, os Stooges lançaram apenas três álbuns de estúdio – “The Stooges” [1969], “Fun House” [1970] e “Raw Power” [1973] –, todos obrigatórios e imprescindíveis na história do rock. Sem eles, o punk na década de 70 não teria acontecido.
Sem Stooges, não haveria Ramones, New York Dolls e nem Sex Pistols – a turma de Sid Vicious tinha Iggy como ídolo máximo. Ainda hoje podemos ouvir os ecos das guitarras sujas e simples de Ron Asheton em bandas como Strokes, White Stripes e The Hives. Nas palavras de Mário Jorge, ex-bateristada Penélope, “Iggy Pop fez muita loucura e já devia estar morto. Acho que é a última oportunidade de vê-lo vivo aqui no Brasil”. Talvez seja mesmo imperdível.
O Cachorro está ficando Grande [e latindo cada vez mais alto] Danilo Fraga
Texto originalmente publicado no Caderno Dez!, A Tarde
Depois de seis anos trafegando no limbo das bandas alternativas, só agora os gaúchos da Cachorro Grande começam a executar seu plano de conquistar o mundo [pop]. Formada em 99, a banda lançou dois álbuns independentes – “Cachorro Grande” [2001] e “As Próximas Horas Serão Muito Boas” [distribuído pela “Outracoisa”, a revista de Lobão, em 2004].
Mas parece que em 2005 as coisas começaram a acontecer. Além de participar do “Acústico MTV Bandas Gaúchas” e vencer o VMB, a banda lançou seu novo álbum, “Pista Livre”. De tanto fazer cara de cachorro sem dono, finalmente foi acolhida pelo Deckdisc, que tem nomes como Pitty e Ultrage a Rigor.
É exatamente por isso que Beto Bruno [voz], Marcelo Gross [guitarra], Rodolfo Krieger [baixo], Gabriel Azambuja [bateria] e Pedro Pelotas [piano] estão em Salvador. O show de lançamento de “Pista Livre” começa às 21h dessa sexta [4/11], no Rock in Rio, e conta com a participação da Sangria e da Retrofoguetes.
A diferença entre “Pista Livre” e os outros discos da banda é notável. “Este álbum teve uma grande diferença na produção, fomos mais cuidadosos e a qualidade sonora é infinitamente superior”, explica o vocalista Beto Bruno.
Comparado com “As Próximas Horas Serão Muito Boas”, gravado em apenas um dia, o acabamento de “Pista Livre” é impecável, fazendo-os parecer menos feios e soar menos sujos. O disco mostra as marcas da mudança do esquema “alternativo” para o “profissional”.
Entre as “diferenças na produção”, o maior destaque está na finalização do álbum - feita no lendário estúdio da Abbey Road. E realmente parece que a aura do estúdio, de alguma maneira, influenciou nas composições da banda. Finalmente descobrimos que os caninos também amam – para o alívio das feministas de plantão.
Abanando o rabinho
Para quem há pouco tempo bradava ter cansado das inibidas e, agora, só querer mulher vivida [“Sexperienced”, do primeiro álbum], versos como “Sinceramente você pode se abrir comigo/ Honestamente eu só quero te dizer que acertei meu pulo quando te encontrei/” soam muito românticos.
No disco, o vocal de Beto Bruno está menos irritante – em algumas faixas ele chega até mesmo a cantar [isso mesmo, ele não grita]. “Interligado” conta com um belo arranjo de cordas – “É a nossa Eleanor Rigby”, comenta Beto Bruno. Sonhos à parte, a canção lembra mais “Flores em Você” do Ira, o que já é um elogio e tanto.
Já “Sinceramente” tem arranjos de piano à moda do Coldplay e concorre seriamente a ser um hit radiofônico, ou tocar em alguma novela – pior pecado que uma banda alternativa pode cometer. Mas isso não parece preocupá-los: “De que adianta fazer as músicas e quase ninguém ouvir?”
É claro que todas essas mudanças podem desagradar aos fãs mais conservadores para quem tudo isso tira um pouco do barato. Mas essa diversificação parece dar maior vida útil à banda. Utilizando a combinação terninho + guitarra, infalível nos dias de hoje, Cachorro Grande muitas vezes soava como o Bloc Party, Kaiser Chiefs ou como outro Franz Ferdinand da vez.
Este problema é resolvido em “Pista Livre”. Canções dançantes [“Desentoa” e “Novo Super-Herói”], com influências do country [Eu Pensei] e da Jovem Guarda [“Agora Eu Tô Bem Louco”, “Você Não Sabe Nada”] mostram que o Cachorro Grande pretende latir por muito tempo. E eles ainda rezam para a Santíssima Trindade – Beatles, Rolling Stones, The Who. Amém.
Metal farofa-com-frango-frito Danilo Fraga Dantas
Texto originalmente publicado no Caderno Dez!, A Tarde
O heavy metal é o reino do clichê: homens musculosos com óleo besuntado pelo corpo, tatuagens, cabelos grandes e sujos, franjinhas, pose de malvado e calças de couro apertadas ao ponto de afinar as vozes mais graves. Um prato cheio para qualquer humorista. Mais cedo ou mais tarde tinha mesmo que aparecer algo como o “Massacration”.
A banda apareceu pela primeira vez como um quadro do programa “Hermes & Renato” [MTV]. Mas, com o tempo, a piada foi crescendo: o grupo ganhou seu próprio programa, o “Total Massacration”, criou novas canções, fez turnê pelo Brasil e agora lança seu álbum de estréia, “Gates of Metal Fried Chicken of Death” [Deckdisk], que tem tudo para se tornar um dos álbuns de metal mais vendidos no Brasil.
Nas 13 canções do disco, a banda faz o que já fazia no programa da MTV: uma paródia dos principais clichês do metal. Letras sem muito sentido embaladas por entonações apocalípticas, refrões repetitivos, solos virtuosos, além dos característicos vocais agudos. Eles não fazem nada que bandas como Iron Maiden, Helloween, Judas Priest e, principalmente, Manowar [o Village People do metal] não fizeram antes. A grande sacada da turma do Hermes e Renato é ser ridículo sim, mas de propósito.
Hilário – Logo nos primeiros minutos do álbum dá pra notar a intenção deles: a faixa de abertura traz uma receita de bolo lida por uma voz diabólica. Depois vem “Metal Is The Law”, que começa com um hilário riff misturado com a levadinha do “em cima, embaixo, puxa e vai”.
O resto do álbum é, basicamente, a mesma coisa: “Evil Papagali” conta a história de um papagaio infernal e tem como refrão “Loro quer biscoito”, “Metal Dental Destruction” começa com a frase “Feel the killing broca” e “Metal Glu Glu” conta com a participação especial de Sérgio Mallandro. As já famosas “Metal Massacre Attack”, “Metal Milkshake” e “Metal Bucetation” ganharam regravações.
Não é exagero dizer que desde o Sepultura não aparecia nada de tão interessante no metal brasileiro. Colocando em evidência os clichês do gênero, o Massacration acaba mesmo é colocando nossos metaleiros no divã. O famoso conservadorismo que condenou o “Roots” do Sepultura alguns anos atrás já precisava ser revisto.
Na verdade, o Massacration pode ser entendido como uma prova da maturidade do metal no Brasil. Só depois que as regras de um gênero se encontram bem claras na cabeça de todos é que a paródia faz sentido. E olha que o Massacration parodia muito bem.
Agora, se você consegue levar o Manowar a sério, é bem provável que não vá gostar de Massacration. É uma pena. Rir de si mesmo é sempre um ótimo exercício de autocrítica. E talvez a paródia seja mesmo uma boa saída para o metal brasileiro. Ou parece mais inteligente importar sem restrições a moda das camisas pretas para nosso calor tropical?
Massacration Gates of Metal Fried Chicken of Death Deckdisk R$ 24,90
Wendy e os garotos perdidos Danilo Fraga
Texto originalmente públicado no Caderno Dez!, A Tarde
E dizem que ficar vagabundeando pela internet não leva a lugar nenhum... Há dois anos, Leo Cebola, 24, [bateria] conheceu Andréa, 19, [vocal] no mIRC. Levantaram a possibilidade de montar uma banda de rock com vocal feminino e marcaram para conversar melhor em um show naquela mesma noite. Lá também estavam Helinho, 21 [guitarra], e Danilo, 23 [guitarra]. Em uma semana já estavam ensaiando suas primeiras canções. Pouco depois se juntou a eles David, 19 [baixo], e assim nasceu o Canto dos Malditos na Terra do Nunca [CMTN].
Só neste ano eles já tocaram no Palco do Rock, abriram o show para o Placebo [na seletiva baiana do festival “Claro q é Rock”], e, em São Paulo, para Nando Reis e Ira. No domingo [27/11] aparecem no programa “Banda Antes” da MTV, lançam seu novo trabalho, o álbum “Olha a Minha Cara”, e se preparam para sua segunda viagem para São Paulo. Sábado, tocam junto com a Theatro de Seraphin e a Lacme no Miss Modular [Rio Vermelho], às 23h. O ingresso é R$ 5.
Antigo – Certo que este crescimento frenético só foi possível com as novas tecnologias de gravação e distribuição – a banda tem o fotolog [www.fotolog.net/cmtn], comunidade no Orkut e suas músicas podem ser encontradas facilmente na internet. Mas algumas das principais conquistas do CMTN foram fruto do mais velho dos meios de comunicação – o boca-a-boca.
Conta a lenda que a primeira demo da banda foi parar na mão de Joe [baixista de Pitty] e foi a trilha sonora da gravação de “Anacrônico”, o novo álbum dela. Depois disso, conseguir um empresário em São Paulo, shows e espaço na MTV foi um pulo. Carlos Eduardo Miranda, daTrama Virtual, esteve em Salvador para ouvir o som dos caras. Agora a banda planeja ir a Sampa para conquistar um novo público e tentar, enfim, viver de música. “Tem que ter muita raça pra tocar rock em Salvador. Faltam casas de show, estrutura, tudo. Em São Paulo, queremos oportunidades”.
Olha a Minha Cara - CMTN R$ 5 cmtncontato@hotmail.com
Olhem a minha cara. Cara de quê?
O novo EP do CMTN, “Olha a Minha Cara” [que será lançado no dia 11/12], não traz grandes novidades para quem já conhece a banda há algum tempo: “Este trabalho pode ser visto como uma continuidade de nossa demo, só agora as músicas estão mais bem trabalhadas”, explica o guitarrista Danilo. Por outro lado, as sete canções são uma amostragem do estilo da banda. Para a vocalista Andréa, “no segundo álbum está mais nítida a influência de cada um”.
Verdade. O CMTN pode ser localizado no encontro de algumas tendências do rock dos anos 90 que, na eterna batalha da autenticidade, perderam o posto de “queridinhos” da crítica para o rock inglês. Misturando new metal, grunge, emo e hardcore ao rock brasileiro, “Olha a Minha Cara” é a prova de que existe novidade no mundo do rock fora da influência do indie.
É entre estes subgêneros do rock que a banda tenta encontrar sua cara. É uma proposta que faz sentido e tem futuro, mas que, algumas vezes, causa certa confusão - como em “O Que Te Faz Voltar”, que é uma boa canção, mas fica meio deslocada do resto do álbum com sua sonoridade “samba-circense”.
Mas o que agrupa as sete canções do álbum e diferencia o CMTN das diversas bandas de new metal que apareceram nos últimos anos é a influência que Andréa carrega do rock brasileiro, em suas letras e modo de cantar. “Eu gosto de Los Hermanos, Cassia Eller, Cazuza, Titãs velho, entre outros”, explica.
Esta influência fica bem clara no modo como ela emposta a voz e alonga as sílabas no final das frases e também em suas composições. Geralmente Andréa chega com a composição pronta no violão e o resto da banda fica responsável pelo arranjo, mas outras vezes Helinho aparece com alguma frase na guitarra e ela coloca a letra – todas em português. “O que nasce dentro de mim é em português. Eu não tenho escolha”, completa.
Mas é também o modo de Andréa cantar o alvo da maior parte das críticas negativas dirigidas à banda: a repetição de alguns esquemas melódicos na maior parte das canções, seu timbre grave e um certo maneirismo fazem ela soar como um menino em plena puberdade. Uma imagem bem apropriada. Afinal, na Terra do Nunca, os garotos nunca crescem.
A ditadura da guitarra com wah-wah
Hoje em dia, existe em Salvador uma faixa de consumo muito bem definida que vai do forró “pé-de-serra” ao rock com batuque. As mesmas pessoas, com suas sandálias de couro, cabelos encaracolados e saias com motivos indianos, freqüentam os shows de bandas como Bando Virado no Mói de Coentro e Navio Negreiro. Talvez porque este tipo de som combine com o clima praiano de Salvador, com nossas matas, nossas “ervas”, ou talvez porque ele esteja mais de acordo com as “raízes” negras do “povo” baiano, pouco importa. Não estou aqui para fazer qualquer juízo de valor sobre estas pessoas ou estas bandas. O que importa que no centro deste cenário, está uma apropriação pop e festiva do reggae, guitarras com wah-wah que transformam o lamento da batida jamaicana em um bom motivo para encher shows de bandas como Mosiah, Diamba e Scambo.
De tão identificadas no gosto de seu público, essas três bandas parecem, às vezes, formar uma palavra só: eugostodemosiahdiambaescambo é uma resposta muito corriqueira. Não preciso nem dizer que não faço parte deste público, mas, dentre essas três bandas, sempre ouvi dizer que Scambo é a que mais se destaca. Exatamente por isso, hoje (20/09) aceitei um convite e fui, finalmente, ver um show deles no Teatro ACBEU. A apresentação fazia parte de um projeto chamado Terças Caymmi que, ao que pude entender, tinha algo a ver com o Troféu Caymmi. O convite era de graça por isso, caso não gostasse do show, não corria o risco de ficar muito zangado. Uma boa oportunidade de modificar, ou reafirmar, velhos preconceitos.
Depois de um interminável vídeo sobre o Troféu Caymmi, no qual podíamos ver depoimento de famosos como Ivete Sangalo e Daniela Mercury, comecei a entender porque o Scambo realmente merece algum destaque na cena “pop-roots” de Salvador. Depois passei a entender também porque a banda não consegue se descolar desta cena.Vi um show bem preparado, com uma boa iluminação e efeitos sonoros interessantes. Os arranjos muitas vezes conseguiam até sair do lugar comum, flertando com o new metal, o samba, o samba rock... As letras, apesar de tratarem de temas tão “inovadores” como a hipocrisia da sociedade, eram bem construídas e pareciam convincentes quando cantadas. Para a minha surpresa estava achando bom, mas tinha algo que me incomodava o tempo todo. Aqui e ali ainda podemos ouvir, furtiva nos arranjos, a velha guitarra com wah-wah que denunciava: o Scambo é uma banda reggae travestido de modernidade. Depois percebi que não era só a guitarra. Na verdade, a banda toda dava sinais de um caso grave esquizofrenia.
O repertório do show poderia ser dividido em dois grandes blocos, a água e o óleo. Se por um lado ouvíamos pop-reggaes típicos, como o mini-hit Sol, cantado em coro por todo o teatro, também era fácil perceber as tentativas da banda de superar esta barreira. Dos quatro covers que eles tocaram, um era de Chico Buarque (Geni e o zeppelin), um de Caetano Velloso (Tigresa), um de Gonzaguinha (Ocê e eu) e um de João do Vale (Carcará). Quatro canções que, somadas à insistência de recitar poesias no meio dos números musicais, configuram uma estratégia clara de legitimação para além dos becos esfumaçados do Pelourinho (qual o nome mesmo daquele beco que toca Reggae?). Tudo ocorria como se a banda não tivesse decidido se realmente toca reggae, agradando seu público, ou parte para algumas experimentações que, diga-se de passagem, me pareceram muito mais interessantes. Essa divergência não se resume ao repertório, mas parece estar encarnada nos mais diversos aspectos da banda. Isso pode ser facilmente notado no figurino: o macacão de mecânico azul marinho, típico de bandas de new metal como o Rage Against The Machine e o Slipknot, teve que sofrer “apropriações” para combinar com o estilo "menos arrojado" de parte da banda. A roupa do baixista, por exemplo, tinha as mangas cortadas e o acréscimo de um boné, um traje típico de jogador de futebol em momento de descanso. A partir de seu núcleo regueiro, a banda parece querer apontar, de maneira desordenada, para a conquista de um público mais amplo.
Os pontos altos do show coincidem exatamente com os momentos em que a banda consegue equilibrar essas duas tendências. Fábrica e Perdão são duas ótimas canções que, junto com a versão de Geny, valeram o esforço de me deslocar até o Corredor da Vitória. Destaque também para o rap de auto-ajuda bem ao estilo Pedro Bial (afinal filtro-solar também combina com as praias de Salvador). Não sei o nome da música e nem lembro se ela é realmente boa, mas é bem engraçada e parece que vai estar no novo álbum da banda. Por falar em álbuns, a Scambo já lançou dois e caminha para o terceiro. Em conversas depois do show, me disseram que a maior parte das canções de reggae são dos primeiros trabalhos e que, em seu terceiro álbum, a banda procura investir em “um estilo mais próprio”. Ao que parece, a banda caminharia para a superação da esquizofrenia. Mas, será que se eles completarem este movimento ainda conseguirão agradar seu público? Lembro-me de uma mulher muito engraçada que, sentada em minha frente, se balançava da mesma maneira, seja quando a banda tocava reggae ou quando ela se aproximava do rock, do samba, da música eletrônica.... Até o rap de auto-ajuda merecia braços balançantes, ao som de um Edson Gomes imaginário...
Rock com Batuque (texto publicado na revista Fraude)
Nos últimos anos, Salvador assistiu uma invasão de bandas que, influenciadas pelo manguebeat, têm como principal característica a mistura da sonoridade pop com elementos de “raiz”. Essas bandas são amadas por muitos e desdenhadas por mim, que considero suas pretensões muito altas para um mero subproduto do som de Chico Science e companhia. Chamarei aqui, de maneia meio irônica, esse tipo de rock com batuque de “afro rock”. Fazem parte desse balaio bandas como Navio Negreiro, a extinta O Cumbuca, Nego Veio (ex-Ataraxia e ex-Mano Véi), Lampirônicos, Zambotronic, entre outras. Todas essas bandas misturam o rock com alguma “coisa” brasileira; seja essa “coisa” o afoxé, samba, reggae, baião ou maracatu.
A preocupação principal é de resgatar algum tipo de identidade cultural perdida. Essa identidade é reencontrada a partir do resgate de práticas culturais dos povos oprimidos como o índio e, principalmente, o negro (apesar de nossas raízes portuguesas, nenhuma banda dessas se propõe a misturar rock com fado – seria até engraçado). Leiam nas palavras deles o que digo: “De volta à Bahia, reencontramos antigos parceiros e fundamos não apenas uma banda, mas uma comunidade de músicos, um neoquilombo musical, raiz sólida da cultura negra brasileira, concebida para atuar independente das limitações e restrições impostas pelo mercado cultural oficial”. Esse trecho foi retirado do release da banda Navio Negreiro, mas frases parecidas podem ser encontradas no release da banda Nego Veio e Lampirônicos. Como se pode ver, uma das principais birras é com a axé-music, o “mercado cultural oficial”, que, apesar da influência negra, é tida como “falsa” e “vendida”.
Esse discurso de autenticidade é comum em qualquer julgamento de valor na cultura de massa – a axé-music é tida como vilã em 9,8 entre 10 grupos de roqueiros de Salvador. Porém, me espanta a ferocidade com que essas bandas se dirigem ao ritmo das morenas (e loirinhas) rebolantes. Ao contrário de outros sub-gêneros do rock, a identidade do afro rock é contruída sob os mesmos signos de baianidade da axé-music. Temas como a negritude e a sensualidade têm papel de destaque em ambas. Porém, as bandas de afro rock têm como desejo a reconstrução de uma “raiz” africana livre da influência vil da cultura de massa. Acho isso tudo meio sem sentido. A África é um continente gigantesco, com diversas etnias, culturas e, como não poderia ser diferente, diversos tipos de música. Resumir toda a cultura africana na presença da percussão em uma banda de rock é, no mínimo, leviano. O “afro” do afro rock funciona mais como um slogan, uma garantia de autenticidade e, neste sentido, é tão “mercadológico” quanto a mistura do Brasil com o Egito da axé music.
Talvez eu esteja colocando problemas demais em algo relativamente simples. Certo que gosto de fazer o papel do crítico chato. Mas a simples possibilidade de alguém achar que estar resgatando alguma raiz cultural em sábados a noite regados a cerveja e maconha me deixa assustado. O que há é uma mistura de mito do bom selvagem e marxismo de mesa de bar. Deixemos nossas raízes, se é que existe isso, quietas onde elas estão.
Esquecidos: Bo Diddley
Bo Diddley não criou refrões clássicos para a história do rock, como o fez Chuck Berry ("Jonny B. Goode") e Little Richards ("Tutti Frutti"), não enlouqueceu as fãs com sua sensualidade e nem criou riffs memoráveis ou virtuosos - na verdade, muitas de suas canções são compostas de apenas um acorde repetido indefinidamente. Porém, Bo Diddley foi uma influência determinante para muitos artistas que vieram depois dos anos 50. A batida criada por ele – a jungle beat – passou pelas mãos de bandas como Rolling Stones, Stooges e New York Dolls. Aliada ao vocal falado (na linha dos talking blues), o estilo desenhado por ele antecipou o rap.
Apesar de não ser um grande vendedor de discos nos EUA, ele era considerado um astro do porte de Chuck Berry e Muddy Waters na Inglaterra. Os garotos ingleses encontraram em Bo Diddley o suingue que faltava em suas canções - não é a toa que grupos como Yardbirds, Animals e Rolling Stones tenham feito covers de suas canções. O mais irônico é que exatamente quando os Beatles e os Rolling Stones começaram a fazer sucesso na América, o interesse pela obra de Diddley diminuiu. Porém, ele continuou tocando e chegou a fazer uma turne com o The Clash, banda influenciada por sua música, em 1979.
Pequena história do rock brasileiro
Hans Robert Jauss, em seu livro História da Literatura como Provocação à crítica Literária, afirma que a história de qualquer forma artística não é possível sem algumas grandes obras de referência longevas na diacronia e integradoras na sincronia. Assim, a observação de quatro álbuns podem ajudar definir a trajétória do rock brasileiro, a saber: É proibido fumar, de Roberto Carlos; Os Mutantes, da banda Os Mutantes; Dois de Legião Urbana e Bloco do eu sozinho de Los Hermanos.
Os pioneiros
Há quem pense que a história do rock nacional só tenha começado em 1982. Há aqueles que ousam voltar um pouco mais no tempo e incluir também Os Mutantes, Secos e Molhados e Raul Seixas nessa história. Porém, poucos levam em consideração os conjuntos que ajudaram a consolidar a música jovem no Brasil durante as décadas de 50 e 60. Pode causar surpresa pensar que, ainda nos anos 50, o país ganhou seus primeiros ídolos do rock: Cely Campello (Estúpido Cupido e Biquíni de Bolinha Amarelinha), Carlos Gonzaga (Diana), Sérgio Murilo (Marcianita e Broto Legal), Tony Campello, Demétrius, Albert e Meire Pavão. Eles representaram o rock em sua vertente mais adocicada, a das baladas.
Com o passar do tempo, essa geração foi substituída por outra, mais influenciada pelo rock inglês que pelo americano. Diferente do que havia acontecido, o que estava sendo produzido não era mais apenas uma cópia da música americana, e sim uma nova linguagem musical, com características nacionais. Os grupos dessa geração avançaram em relação à dos Campello tanto musical quanto tematicamente. Os arranjos não eram mais mero suporte para os vocais, a guitarra ocupava cada vez mais agressivamente seu espaço. Do mesmo modo, as letras iam além da ingenuidade piegas e, ao tratar de “carangas” e “festanças”, estavam mais próximas da realidade urbana do país. Animado pela invasão das bandas inglesas, em 1963 Roberto Carlos lançou É Proibido Fumar, álbum que consolidou a chegada do rock ao Brasil. Entrava em cena a uma música jovem, com elementos ligados à cultura jovem (mais até do que a bossa nova) e toda uma nova constelação de artistas.
O impacto que esse novo tipo de sonoridade teve no Brasil pôde ser sentido em 1966, no I Festival de Conjuntos patrocinado pela Jovem Guarda do qual participaram cerca de cinco mil bandas de rock. Essa explosão inicial do rock no país seria o ponto de partida para outros grupos, como Os Mutantes, que logo estariam embarcando na viagem psicodélica dos americanos e ingleses. O tropicalismo, que se apresentaria no disco-manifesto Panis et Circencis, apareceria no momento em que a Jovem Guarda iniciava o seu declínio. Segundo Erasmo Carlos, foi justamente esse movimento uma das principais causas do esvaziamento da Jovem Guarda. "A Tropicália era uma Jovem Guarda com consciência das coisas, e nos deixou num branco total" (Calado, 1995 p.54).
A primeira mutação
No final da década de 60, existia uma oposição muito forte entre a Jovem Guarda, tomada como música alienante e americanizada, e a canção de protesto, essa sim considerada autenticamente brasileira. Os Mutantes, ao lado de Gilberto Gil e sob a tutela do maestro Rogério Duprat, ajudaram a borrar essa fronteira. Em 1968, ao utilizar guitarras elétricas no arranjo de Domingo no Parque no III Festival da Música Popular Brasileira eles cometeram uma afronta aos esquerdistas conservadores. "Gil e Os Mutantes eram os primeiros a cometer essa afronta, sua presença no festival significou a profanação do tempo da até então chamada música popular brasileira" (Calado, 1995 p.108). Os puristas tinham espasmos de indignação. Não deu outra: foram vaiados. E seriam vaiados por muito tempo.
Os Mutantes e os tropicalistas tomaram para si a missão de ligar duas correntes da música brasileira até então antagônicas. Essa fusão marcou um dos momentos mais importantes dos anos 60 e da história da música brasileira. Os Mutantes, primeiro álbum da banda, criou um parâmetro que foi seguido por muito tempo pelo rock brasileiro –conjuntos como Os Novos Baianos, Secos e Molhados e o baiano Raul Seixas tinham como característica principal misturar, muitas vezes com ironia, ritmos brasileiros com rock. Da mesma forma, a outra manifestação de rock no Brasil dos anos 70, o rock progressivo, foi fortemente influenciada pela segunda fase dos Mutantes. Somente nos anos 80, o rock brasileiro se libertaria da influência do tropicalismo e dos Mutantes.
Geração Coca-Cola
Se alguém estivesse esperando alguma novidade no rock brasileiro do início dos anos 80, a atitude mais óbvia seria prestar atenção nos novos álbuns dos irmãos Baptista e de Rita Lee, os ex-Mutantes. Porém quem pensasse assim seria surpreendido. O tipo de música que mostrou a cara no início dos anos 80 não tinha nada a ver com as bandas dos anos 70 - descendia da simplicidade importada do punk, pós-punk e new wave. “Era um novo rock brasileiro, curado da purple-haze psicodélica-progressiva dos anos 70, livre de letras metafóricas e do instrumental state-of-the-art, falando em português claro de coisas comuns ao pessoal de sua própria geração” (Dapieve, 1995 p.195).
Quando a vigilância foi abrandada, pelo processo de redemocratização do Brasil, a MPB teve dificuldades para se livrar de seus antigos artifícios de sobrevivência – linguagem rebuscada com metáforas impenetráveis e conteúdo subentendido. Da mesma forma que o punk se levantou contra a pomposidade da música pop, no Brasil foi efetuado um corte proposital em relação à MPB, tomada como antiquadra. Com o arranjos simples e os cabelos curtos e espetados, o rock brasileiro começa a reaparecer principalmente no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.
Um dos principais representante de todo esse movimento é o segundo LP da banda Legião Urbana, Dois - pelo fato de resumir principais traços do rock brasileiro da década de 80, além de ter alcançado um grande sucesso comercial. Nesse álbum, banda evoluiu do punk rock inicial ao pós-punk, o que de certo modo resume o caminho percorrido por todas as outras bandas da época, e conseguiu moldar por muito tempo o gosto musical e o horizonte de expectativas do ouvinte de rock brasileiro. No segundo álbum, “eles evitaram bisar (fazer bis) a politização punk do primeiro trabalho e partiram para o lirismo pós-punk, cheio de violões e teclados” (Dapieve, 1995 p.133). O Lp foi um sucesso de vendas e fez de Renato Russo o porta-voz da juventude brasileira.
Se o rock passou mais de três décadas antes de conseguir cidadania brasileira, foi nos anos 80 que ele conseguiu essa autonomia. “Nem em seu momento de maior sucesso popular, a Jovem Guarda, ele (o rock) conseguia deixar de ser tratado, por quase todos, como uma febre passageira, que logo os glóbulos verde-e-amarelos se encarregariam de expulsar do corpo na música brasileira” (Dapieve, 1995 p.11). A maior parte das bandas dos anos 80 ainda estão em atividade, com o tempo foram sendo assimiladas pela música brasileira. Na verdade, essa é uma via de mão dupla. Se por um lado, passou-se a tolerar a existência de um rock genuinamente brasileiro, este incorporou cada vez mais elementos da música brasileira em sua poética.
O pouco que sobrou
A reaproximação do rock com os gêneros tradicionais da música brasileira efetuada, no início dos anos 90, por bandas como Raimundos e Nação Zumbi deu margem ao retorno de uma sonoridade situada na fronteira entre o pop e a MPB. Dentre as bandas de destaque dos últimos anos está Los Hermanos – que também retoma gêneros como samba, samba-canção, bolero, as marchinhas de carnaval, entre outros. Em 2001, o grupo lançou o álbum Bloco do Eu Sozinho que marcou uma mudança na trajetória da banda e introduziu uma maneira de relacionar letra e melodia próxima à adotada pela bossa nova. “Tido por nove entre dez entendidos em música como um divisor de águas no rock nacional, dosando influências de samba, carnaval de aula de sociologia e rock, O Bloco do Eu Sozinho arrebatou tudo e todos” (Lima, 2004 on-line)
O álbum foi um sucesso de crítica e, apesar de ser relativamente novo, influenciou a sonoridade de uma série de bandas como Gram e Ludov – prenunciando um possível novo caminho para o rock brasileiro.
A história do rock resumida em 2 momentos
A história do rock é marcada por dois momentos, dois gestos que se repetiram diversas vezes. O primeiro desses gestos – um gesto de exploração, de mistura – ocorreu no final da década de sessenta, quando o rock´n roll provou ser mais que uma gênero adolescente. Depois da estabilização de sua sonoridade no início dos anos 50 e sua posterior decadência no final desta década, o rock´n roll acompanhou, de certa forma guiou, a mudança da juventude no final dos anos 60. Podemos eleger o álbum Sargent Peppers Lonely Hearts Club Band como principal símbolo desse movimento, apesar de que mudança acontecia ao mesmo em diversas bandas.
O comportamento proposto pelo Sargent Peppers... era de exploração da sonoridade do rock´n roll e de alargamento das fronteiras de um gênero musical que descendia dos três acordes imutáveis do blues. Esse gesto foi posto em prática exaustivamente e radicalizado durante o final da década de 60. O Rock Progressivo da década de 70 foi não mais que uma exacerbação desse movimento começado pelos Beatles. Na esperança de ser reconhecida como uma forma de arte superior, essas bandas cometeram os mais descabidos desatinos – desde faixas com mais de dez minutos até a criação de formatos pseudo-eruditos como a ópera rock (apesar de Tommy ser um bom disco).
Dessa forma, abriu-se espaço para o segundo gesto que marcaria a história do rock: um gesto de triagem, de procura do menor denominador comum. Do meio para o final da década de 70 algumas bandas como New York Dolls e Ramones tentaram mostrar – apesar de eu achar que eles tinham um QI muito baixo para ter alguma noção do que eles queriam mostrar – que o rock tinha outras qualidades além das infindáveis melodias e mudanças harmônicas propostas pelo rock progressivo. No primeiro álbum dos Ramones, a valorização do pulso, do ritmo e da dança foi guiada pela escolha da menor quantidade de acordes, a menor mudança de ritmo, a ausência de solos. O punk rock funcionou como uma lembrança do que o rock´n roll é em sua origem – uma música para dançar.
A partir daí, essas duas tendências se repetiram durante as décadas subseqüentes. A exacerbação do metal farofa dos anos 80 foi “curada” pelas guitarras secas do grunge. Os gritinhos frenéticos de outrora são substituídos pelos vocais monotônicos de bandinhas como Strokes.
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