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Rock com Batuque (texto publicado na revista Fraude)



Nos últimos anos, Salvador assistiu uma invasão de bandas que, influenciadas pelo manguebeat, têm como principal característica a mistura da sonoridade pop com elementos de “raiz”. Essas bandas são amadas por muitos e desdenhadas por mim, que considero suas pretensões muito altas para um mero subproduto do som de Chico Science e companhia. Chamarei aqui, de maneia meio irônica, esse tipo de rock com batuque de “afro rock”. Fazem parte desse balaio bandas como Navio Negreiro, a extinta O Cumbuca, Nego Veio (ex-Ataraxia e ex-Mano Véi), Lampirônicos, Zambotronic, entre outras. Todas essas bandas misturam o rock com alguma “coisa” brasileira; seja essa “coisa” o afoxé, samba, reggae, baião ou maracatu.

A preocupação principal é de resgatar algum tipo de identidade cultural perdida. Essa identidade é reencontrada a partir do resgate de práticas culturais dos povos oprimidos como o índio e, principalmente, o negro (apesar de nossas raízes portuguesas, nenhuma banda dessas se propõe a misturar rock com fado – seria até engraçado). Leiam nas palavras deles o que digo: “De volta à Bahia, reencontramos antigos parceiros e fundamos não apenas uma banda, mas uma comunidade de músicos, um neoquilombo musical, raiz sólida da cultura negra brasileira, concebida para atuar independente das limitações e restrições impostas pelo mercado cultural oficial”. Esse trecho foi retirado do release da banda Navio Negreiro, mas frases parecidas podem ser encontradas no release da banda Nego Veio e Lampirônicos. Como se pode ver, uma das principais birras é com a axé-music, o “mercado cultural oficial”, que, apesar da influência negra, é tida como “falsa” e “vendida”.

Esse discurso de autenticidade é comum em qualquer julgamento de valor na cultura de massa – a axé-music é tida como vilã em 9,8 entre 10 grupos de roqueiros de Salvador. Porém, me espanta a ferocidade com que essas bandas se dirigem ao ritmo das morenas (e loirinhas) rebolantes. Ao contrário de outros sub-gêneros do rock, a identidade do afro rock é contruída sob os mesmos signos de baianidade da axé-music. Temas como a negritude e a sensualidade têm papel de destaque em ambas. Porém, as bandas de afro rock têm como desejo a reconstrução de uma “raiz” africana livre da influência vil da cultura de massa. Acho isso tudo meio sem sentido. A África é um continente gigantesco, com diversas etnias, culturas e, como não poderia ser diferente, diversos tipos de música. Resumir toda a cultura africana na presença da percussão em uma banda de rock é, no mínimo, leviano. O “afro” do afro rock funciona mais como um slogan, uma garantia de autenticidade e, neste sentido, é tão “mercadológico” quanto a mistura do Brasil com o Egito da axé music.

Talvez eu esteja colocando problemas demais em algo relativamente simples. Certo que gosto de fazer o papel do crítico chato. Mas a simples possibilidade de alguém achar que estar resgatando alguma raiz cultural em sábados a noite regados a cerveja e maconha me deixa assustado. O que há é uma mistura de mito do bom selvagem e marxismo de mesa de bar. Deixemos nossas raízes, se é que existe isso, quietas onde elas estão.

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