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Música para feriados nublados

Pedro Fernandes

Texto publicado originalmente no Caderno Dez! do A Tarde




No livro “Admirável Mundo Novo”, Aldous Huxley descreve, num futuro não muito distante, uma sociedade dividida em castas, onde a conformidade ao Estado totalitário passa por processos de condicionamento mental e pelo uso do soma, uma droga que produz ao mesmo tempo felicidade e letargia. Sem alterar sentidos e, ao contrário da droga futurista, trazendo uma carga de melancolia lúcida que só se experimenta em feriados nublados, a banda baiana Soma lança “Dramorama”, seu primeiro EP gravado em estúdio e com participação de todos os integrantes da banda.
Em 2001, Rafael Cavalcanti [voz e guitarra] e Josh [guitarra] começaram a fazer algumas composições, gravaram algumas com o baixo e a bateria programados no computador, um rascunho do que deveria ser o som da banda. Começaram a procurar gente para formar o grupo. Em dezembro daquele ano, Rogério Alvarenga [baixo e voz] e Edu Marquez [bateria] se juntaram ao dois primeiros para completar a Soma.
Em janeiro de 2002, começaram a tocar por diferentes espaços da cidade. Lançaram o EP “Eu, o Alien”, feito com as gravações caseiras. Gravaram um outro trabalho em parceria com a banda uruguaia Dante Inferno. Se antes havia diferença entre as gravações e as apresentações ao vivo da banda, determinada pela ausência de Rogério e Edu nas primeiras, agora, com “Dramorama”, o som da banda se torna um só. “É o registro do que é a banda. A escolha das músicas reflete o nosso momento atual”, diz Rafael.

Experiência – Para a Soma, o novo EP representa uma etapa pela qual era necessário passar. Rafael: “Queríamos gravar um CD, mas o EP veio como experiência de um processo de gravação. Não é só para as pessoas ouvirem. É para a gente também se ouvir. Um exercício de repertório e estilo, do conceito do nosso som”. Embora exista uma sintonia nas preferências musicais dos integrantes, onde a influência de bandas como Radiohead está mais do que marcada, há espaço para referências menos claras e que só mesmo eles ou um ouvido bastante aguçado seriam capazes de identificar. Talvez um pouco [mesmo] do Korn, trazido por Rogério, ou das atuais influências jazzísticas de Edu. Mas não fogem das influências mais óbvias, e Rafael as defende. “As pessoas têm de legitimar referências a bandas contemporâneas. Pode citar o Velvet Underground só porque eles não existem mais, mas dizer que é influenciado pelo Coldplay, não. Acho bobagem”.
A produção do novo EP foi totalmente independente. Não houve nenhum tipo de patrocínio. Rogério: “Tivemos o apoio de muita gente, conseguimos preços módicos no estúdio e, como tivemos um período de pré-produção longo, sabíamos exatamente o que queríamos. O que faltava definir era o número de músicas. Seriam quatro, mas não deu pra resistir e não gravar as cinco”

Amor, naturalmente - “Dramorama” é para dias chuvosos. Cada música poderia ser uma parte desse dia. “Coma”, a primeira faixa, é uma manhã fria, com uma guitarra que poderia ser gotas de água batendo no vidro da janela. “Meu Dilema” é a seguinte. Deu meio-dia, o telefone não deu sinal de vida. Com “Conversas & rock’n’roll”, você resolve sair da fossa, dar uma volta e ver coisas diferentes. Na quarta faixa, “Novo ou Velho”, o dia vai acabando e nada aconteceu. “Dramorama”, a número cinco, é um sorriso hipotecado para amanhã, uma guitarra um pouco mais ácida e um coral de estrelas pálidas no horizonte.Além do apuro técnico proporcionado por uma gravação em estúdio, o talento dos caras fica evidente. Tanto nas músicas e nos arranjos, bem-elaborados, mas sem muitas firulas, quanto nas letras de Rafael, belas, simples e verdadeiras.A unidade do EP surpreende. As cinco músicas são diferentes o suficiente para ser separadas em faixas, mas quase se completam e poderiam contar uma só história. De amor, naturalmente. De uma desilusão ou de uma certeza suspeita de que as coisas ficarão bem, mas não hoje.


Dramorama
Soma
R$ 8
Vintage mania

Pedro Fernandes

texto publicado originalmente no Caderno Dez! do A Tarde



O vintage virou moda e por isso é um filão crescente no mercado fonográfico. O lançamento do primeiro disco da banda carioca Ramirez vem para reforçar essa teoria. O som da banda, embora um pouco mais veloz, tem a doçura de baladinhas cinqüentistas a la Platters e Penguins. O clima é de baile anos dourados sem gomalina nos cabelos. Mistura já testada e aprovada pelo Los Hermanos em seu álbum de estréia.
Há três anos, quando saiu de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, Thiago Pedalino [voz e guitarra] já tinha escrito praticamente todas as músicas desse CD, “Ramirez”. Só faltava encontrar o resto da banda. Frank Dias [baixo e voz] ele já conhecia da sua infância passada no Rio de Janeiro. O resto da banda, Rafael Cosme [guitarra e voz] e Matheus de Giacomo [bateria], veio depois.

Processo – Logo gravaram a primeira demo da banda, meio tosquinha, num esquema mambembe, mas que serviu para despertar o interesse do produtor Marco Sketch, do selo Performance Be Records, com quem assinaram e produziram uma nova demo, com as mesmas músicas da primeira, mas de uma maneira mais elaborada e com uma cara mais profissional.
“Foram dois anos de underground intenso, tocando em bares para duas pessoas, até começar a fazer shows grandes no Rio”, conta Thiago. Daí para despertar o interesse de uma grande gravadora foi rápido e gravar o primeiro CD foi mais rápido ainda. Nem foi necessário gravar as vozes, que aproveitaram da segunda demo.
A banda já tinha um número razoável de fãs e vinha destacando-se em festivais de música como o Mada [Música Alimento da Alma], de Natal, Rio Grande do Norte, do ano passado, além de vencer como revelação o “Prêmio Claro de Música Independente” e melhor canção [“Alguém Melhor”, faixa 1 do CD] e melhor demo no “Prêmio London Burning” de 2003.

Imaturo e previsível - Os caras têm competência, mas ainda há bastante o que amadurecer na sonoridade da banda, marcada por fortes influências da Jovem Guarda, Beatles e grupos vocais da década de 50, mescladas a batidas atuais, do pop ao hardcore. Porém, é tudo tão explicitamente reconhecível, que um incômodo inicial é inevitável.
O álbum é feito de 11 baladas. Seguindo uma linha bastante irregular, há momentos em que o potencial do grupo se mostra e outros em que a imaturidade sonora torna-se evidente, prejudicando o resultado final da obra.Abrindo o disco, “Alguém Melhor”, com riffs velozes e poderosos. A bateria também dá certo peso à música, aliviado pela letra sentimental e pela voz suave de Thiago. Em seguida, vem “Matriz”, escolhida como a música de trabalho da banda, menos por sua qualidade que por óbvias razões mercadológicas. Refrão grudento, bateria repetitiva e guitarras enjoativas. O perfeito hit pop para tocar no rádio.
“Menininha” é a baladinha cinqüentista por excelência, trocando o piano pela guitarra e com direito a coral cantando “uuuus” e “aaaas” ao fundo. A associação ao primeiro CD do Los Hermanos é imediata, embora Thiago negue uma influência direta: “Ouvimos Los Hermanos como ouvimos Pato Fu e CPM 22, eles não chegam a ser uma influência.”
A quinta faixa, “Te Esquecer”, tem uma pegada hardcore interessante e ecos que lembram os Beach Boys em alguns momentos. “Me Diz” vem com a mesma fórmula da faixa 1, jogando com o binômio peso-leveza, mas dessa vez aliviando um pouco a bateria e acelerando as guitarras.
Nessa alternância, as coisas caminham até a faixa 9, “Deixar pra Trás”, quando surge um country inesperado, deslocado no espaço e no tempo. “Não Vá” é alegrinha, bobinha e previsível. “Não Fique Assim” fecha o disco com a eficácia da mistura “velho com roupa nova”. Desta vez, ao contrário das outras, dando mais ênfase ao novo que ao velho, que se torna uma referência sutil e não mais uma influência tão marcada. No fim, fica a sensação de que tudo seria melhor se não houvesse tantas derrapadas no desejo exagerado de ser vintage.



Ramirez
Ramirez
Performance Be/Universal
R$ 21,90
Pop revolução
Pedro Fernandes

Texto publicada originalmente no Caderno Dez! do A Tarde


Não precisa ser profundo conhecedor dos porões obscuros da world music para ter ouvido falar em Mathangi Arulpragasam, pois o nome com o qual ela se apresenta está na boca do povo. M.I.A., ou a gringa que sampleou um funk carioca em seu disco de estréia, é a nova sensação da música pop mundial.
Incensada pela crítica, a moça foi destaque nas mais respeitadas publicações internacionais por fazer o que os críticos em uníssono dizem ser algo nunca ouvido antes. A verdade é que o som de M.I.A parece mesmo diferente de qualquer coisa pelo amontoado de referências cosmopolitas contidos no mesmo CD e, às vezes, em uma mesma música. Longe de algum tipo de tentativa forçosa de serem [com o perdão do palavrão] pós-modernas, as menções de “Arular” surgem naturalmente como parte da biografia de sua autora.

Nômade – Nascida na Inglaterra, Maya, como também é conhecida, passou a infância no Sri Lanka. Seu pai era escritor e militante na guerrilha dos tâmiles, minoria étnica que exigia independência do resto do país. Quando a guerra civil estourou nos anos 80, sua família foi obrigada a fugir para a Índia. Aos 10 anos, foram para a Inglaterra. Seu pai, que usava o codinome Arular [título do seu álbum], desapareceu em combate e aí está mais uma referência ao passado revolucionário da família em sua vida artística: M.I.A. é a sigla em inglês para desaparecido em combate [Missing In Action].
Além de ser a autora de todas as músicas do CD, ela, que é formada pela Central Saint Martin’s School of Art de Londres, é a responsável pela parte gráfica do encarte, também cheia de referências a guerras, explosões e violência urbana. A disposição das letras em conjunto com as imagens forma um caleidoscópio que incomoda se colocada à parte das escolhas poéticas de toda a obra.
“Arular” funciona muito bem como produto pop que vende e tem clipe nas paradas da MTV, mas com uma personalidade que não soa pré-fabricada. M.I.A. está em exposição nas prateleiras da indústria fonográfica, mas ela mesma, em sua falta de caras e bocas e pernas de fora, parece não estar à venda.

Guerrilha musicológica - O clima é o de um lugar no meio de uma cidade em ruínas de algum país subdesenvolvido arrasado por uma guerra civil motivada por razões obscuras, a não ser para os envolvidos nela. Anoiteceu e alguém sugeriu algum tipo de diversão. No palco, uma mulher de voz estridente cantando sobre bases eletrônicas e sons vindos de várias partes, identificáveis ou não, do mundo.
Enquanto as pessoas que passaram o dia guerreando dançam sem se importar por quanto tempo o prédio continuará de pé, bombas estouram a poucos quarteirões de distância. Isso é “Arular”.
Referências extraídas de um mundo decadente onde explosões se misturam a programações eletrônicas e letras que não buscam alívio fora da realidade. Letras e músicas em “Arular”, à primeira audição, se excluem como números de sinais opostos. Mas é justamente o contraste entre as melodias dançantes e letras que falam de guerrilhas, fuzilamentos e revolução que dá o tom de caos pós-apocalíptico ao álbum.
Em “Pull Up The People” ela avisa: “Eu tenho as bombas para fazer você explodir”. E é o que ela faz em todas as faixas seguintes. Traduzindo a violência das guerras e das cidades grandes em sons pulsantes e impossíveis de não serem corporificados.
Em “Bucky Done Gun”, a referência é o Rio de Janeiro e o funk carioca, com um sampler da música “Injeção” de Deize Tigrona e DJ Malboro. Em “Amazon” e “Galang”, a repetição do refrão e de fonemas por um coro de vozes femininas mais parecem mantras indianos feitos para fazer dançar. E fazem.


MIA
Arular
Sun
R$ 28
O grande pateta
Danilo Fraga

Texto originalmente publicado no Caderno Dez!, A Tarde.



Nos anos 60, no auge do colorido movimento hippie, alguns jovens começaram a usar jaquetas pretas, calças de couro e a desprezar os ideais de paz. Assim surge o Black Sabbath e o metal na Inglaterra, mas, longe da ensolarada São Francisco, também nos EUA acontecia algo parecido.

No final de 1967, em Detroit, o jovem James Osterberg reúne três amigos, Dave Alexander e os irmãos Ron e Scott Asheton, para formar uma banda. A idéia era peitar o ideal hippie e a música mais bem cuidada das bandas britânicas, fazer um som cru e pesado. Mais tarde, o jovem James seria conhecido como Iggy Pop e seu grupo, The Stooges [os patetas], entraria para a história do rock como uma das bandas mais feias, sujas e malvadas de todos os tempos.

Para quem tem menos de 50 anos, resta aproveitar a chance e conferir os Stooges no festival Claro Que é Rock – eles estão de volta depois de mais de 30 anos parados. Os shows rolam nos dias 26 e 27 de novembro, em São Paulo e no Rio de Janeiro respectivamente. Além dos Stooges, o set é considerável: Sonic Youth, Flaming Lips e Nine Inch Nails.

Blues – Quando começou sua carreira, Iggy queria tocar blues e chegou a montar uma banda, The Iguanas. Mas não era um músico virtuoso. Também não se destacava pela inteligência [como John Lennon], beleza [Jim Morrison] ou sensualidade [Mick Jagger]. A Iggy restava denunciar a falta de sentido na vida dos jovens americanos.

O som da banda era uma versão mais simples e suja do rock blueseiro tocado por grupos como Rolling Stones e Cream. Eles falavam do tédio e da apatia, pregavam a destruição de tudo o que estivesse pela frente.No palco, Iggy se mutilava com cacos de vidro, cuspia na platéia, fazia sexo com o microfone, vomitava, insultava a todos.

Os Stooges lançaram o primeiro CD em 1969. Em19 74, depois do final da banda, Iggy Pop seguiu em sua carreira solo, oscilando entre momentos memoráveis e outros, desprezíveis. Depois de três décadas, a banda se reuniu novamente no final de 2003, em formação quase igual à original: Iggy Pop, no vocal, Ron Asheton, na guitarra, e Scott Asheton, na bateria. O baixista Dave Alexander, morto recentemente, foi substituído por Mike Watt [ex-Minutemen]. Desta reunião vai sair um novo álbum, o “Skull Ring”, e uma turnê por todo o mundo – incluindo aí as apresentações no Brasil.

Punk - Em sua carreira meteórica, os Stooges lançaram apenas três álbuns de estúdio – “The Stooges” [1969], “Fun House” [1970] e “Raw Power” [1973] –, todos obrigatórios e imprescindíveis na história do rock. Sem eles, o punk na década de 70 não teria acontecido.

Sem Stooges, não haveria Ramones, New York Dolls e nem Sex Pistols – a turma de Sid Vicious tinha Iggy como ídolo máximo. Ainda hoje podemos ouvir os ecos das guitarras sujas e simples de Ron Asheton em bandas como Strokes, White Stripes e The Hives. Nas palavras de Mário Jorge, ex-bateristada Penélope, “Iggy Pop fez muita loucura e já devia estar morto. Acho que é a última oportunidade de vê-lo vivo aqui no Brasil”. Talvez seja mesmo imperdível.
O Cachorro está ficando Grande [e latindo cada vez mais alto]
Danilo Fraga

Texto originalmente publicado no Caderno Dez!, A Tarde



Depois de seis anos trafegando no limbo das bandas alternativas, só agora os gaúchos da Cachorro Grande começam a executar seu plano de conquistar o mundo [pop]. Formada em 99, a banda lançou dois álbuns independentes – “Cachorro Grande” [2001] e “As Próximas Horas Serão Muito Boas” [distribuído pela “Outracoisa”, a revista de Lobão, em 2004].

Mas parece que em 2005 as coisas começaram a acontecer. Além de participar do “Acústico MTV Bandas Gaúchas” e vencer o VMB, a banda lançou seu novo álbum, “Pista Livre”. De tanto fazer cara de cachorro sem dono, finalmente foi acolhida pelo Deckdisc, que tem nomes como Pitty e Ultrage a Rigor.

É exatamente por isso que Beto Bruno [voz], Marcelo Gross [guitarra], Rodolfo Krieger [baixo], Gabriel Azambuja [bateria] e Pedro Pelotas [piano] estão em Salvador. O show de lançamento de “Pista Livre” começa às 21h dessa sexta [4/11], no Rock in Rio, e conta com a participação da Sangria e da Retrofoguetes.

A diferença entre “Pista Livre” e os outros discos da banda é notável. “Este álbum teve uma grande diferença na produção, fomos mais cuidadosos e a qualidade sonora é infinitamente superior”, explica o vocalista Beto Bruno.

Comparado com “As Próximas Horas Serão Muito Boas”, gravado em apenas um dia, o acabamento de “Pista Livre” é impecável, fazendo-os parecer menos feios e soar menos sujos. O disco mostra as marcas da mudança do esquema “alternativo” para o “profissional”.

Entre as “diferenças na produção”, o maior destaque está na finalização do álbum - feita no lendário estúdio da Abbey Road. E realmente parece que a aura do estúdio, de alguma maneira, influenciou nas composições da banda. Finalmente descobrimos que os caninos também amam – para o alívio das feministas de plantão.

Abanando o rabinho

Para quem há pouco tempo bradava ter cansado das inibidas e, agora, só querer mulher vivida [“Sexperienced”, do primeiro álbum], versos como “Sinceramente você pode se abrir comigo/ Honestamente eu só quero te dizer que acertei meu pulo quando te encontrei/” soam muito românticos.

No disco, o vocal de Beto Bruno está menos irritante – em algumas faixas ele chega até mesmo a cantar [isso mesmo, ele não grita]. “Interligado” conta com um belo arranjo de cordas – “É a nossa Eleanor Rigby”, comenta Beto Bruno. Sonhos à parte, a canção lembra mais “Flores em Você” do Ira, o que já é um elogio e tanto.

Já “Sinceramente” tem arranjos de piano à moda do Coldplay e concorre seriamente a ser um hit radiofônico, ou tocar em alguma novela – pior pecado que uma banda alternativa pode cometer. Mas isso não parece preocupá-los: “De que adianta fazer as músicas e quase ninguém ouvir?”

É claro que todas essas mudanças podem desagradar aos fãs mais conservadores para quem tudo isso tira um pouco do barato. Mas essa diversificação parece dar maior vida útil à banda. Utilizando a combinação terninho + guitarra, infalível nos dias de hoje, Cachorro Grande muitas vezes soava como o Bloc Party, Kaiser Chiefs ou como outro Franz Ferdinand da vez.

Este problema é resolvido em “Pista Livre”. Canções dançantes [“Desentoa” e “Novo Super-Herói”], com influências do country [Eu Pensei] e da Jovem Guarda [“Agora Eu Tô Bem Louco”, “Você Não Sabe Nada”] mostram que o Cachorro Grande pretende latir por muito tempo. E eles ainda rezam para a Santíssima Trindade – Beatles, Rolling Stones, The Who. Amém.
Metal farofa-com-frango-frito
Danilo Fraga Dantas

Texto originalmente publicado no Caderno Dez!, A Tarde



O heavy metal é o reino do clichê: homens musculosos com óleo besuntado pelo corpo, tatuagens, cabelos grandes e sujos, franjinhas, pose de malvado e calças de couro apertadas ao ponto de afinar as vozes mais graves. Um prato cheio para qualquer humorista. Mais cedo ou mais tarde tinha mesmo que aparecer algo como o “Massacration”.

A banda apareceu pela primeira vez como um quadro do programa “Hermes & Renato” [MTV]. Mas, com o tempo, a piada foi crescendo: o grupo ganhou seu próprio programa, o “Total Massacration”, criou novas canções, fez turnê pelo Brasil e agora lança seu álbum de estréia, “Gates of Metal Fried Chicken of Death” [Deckdisk], que tem tudo para se tornar um dos álbuns de metal mais vendidos no Brasil.

Nas 13 canções do disco, a banda faz o que já fazia no programa da MTV: uma paródia dos principais clichês do metal. Letras sem muito sentido embaladas por entonações apocalípticas, refrões repetitivos, solos virtuosos, além dos característicos vocais agudos. Eles não fazem nada que bandas como Iron Maiden, Helloween, Judas Priest e, principalmente, Manowar [o Village People do metal] não fizeram antes. A grande sacada da turma do Hermes e Renato é ser ridículo sim, mas de propósito.

Hilário – Logo nos primeiros minutos do álbum dá pra notar a intenção deles: a faixa de abertura traz uma receita de bolo lida por uma voz diabólica. Depois vem “Metal Is The Law”, que começa com um hilário riff misturado com a levadinha do “em cima, embaixo, puxa e vai”.

O resto do álbum é, basicamente, a mesma coisa: “Evil Papagali” conta a história de um papagaio infernal e tem como refrão “Loro quer biscoito”, “Metal Dental Destruction” começa com a frase “Feel the killing broca” e “Metal Glu Glu” conta com a participação especial de Sérgio Mallandro. As já famosas “Metal Massacre Attack”, “Metal Milkshake” e “Metal Bucetation” ganharam regravações.

Não é exagero dizer que desde o Sepultura não aparecia nada de tão interessante no metal brasileiro. Colocando em evidência os clichês do gênero, o Massacration acaba mesmo é colocando nossos metaleiros no divã. O famoso conservadorismo que condenou o “Roots” do Sepultura alguns anos atrás já precisava ser revisto.

Na verdade, o Massacration pode ser entendido como uma prova da maturidade do metal no Brasil. Só depois que as regras de um gênero se encontram bem claras na cabeça de todos é que a paródia faz sentido. E olha que o Massacration parodia muito bem.

Agora, se você consegue levar o Manowar a sério, é bem provável que não vá gostar de Massacration. É uma pena. Rir de si mesmo é sempre um ótimo exercício de autocrítica. E talvez a paródia seja mesmo uma boa saída para o metal brasileiro. Ou parece mais inteligente importar sem restrições a moda das camisas pretas para nosso calor tropical?

Massacration
Gates of Metal Fried Chicken of Death
Deckdisk
R$ 24,90
Wendy e os garotos perdidos
Danilo Fraga

Texto originalmente públicado no Caderno Dez!, A Tarde



E dizem que ficar vagabundeando pela internet não leva a lugar nenhum... Há dois anos, Leo Cebola, 24, [bateria] conheceu Andréa, 19, [vocal] no mIRC. Levantaram a possibilidade de montar uma banda de rock com vocal feminino e marcaram para conversar melhor em um show naquela mesma noite. Lá também estavam Helinho, 21 [guitarra], e Danilo, 23 [guitarra]. Em uma semana já estavam ensaiando suas primeiras canções. Pouco depois se juntou a eles David, 19 [baixo], e assim nasceu o Canto dos Malditos na Terra do Nunca [CMTN].

Só neste ano eles já tocaram no Palco do Rock, abriram o show para o Placebo [na seletiva baiana do festival “Claro q é Rock”], e, em São Paulo, para Nando Reis e Ira. No domingo [27/11] aparecem no programa “Banda Antes” da MTV, lançam seu novo trabalho, o álbum “Olha a Minha Cara”, e se preparam para sua segunda viagem para São Paulo. Sábado, tocam junto com a Theatro de Seraphin e a Lacme no Miss Modular [Rio Vermelho], às 23h. O ingresso é R$ 5.

Antigo – Certo que este crescimento frenético só foi possível com as novas tecnologias de gravação e distribuição – a banda tem o fotolog [www.fotolog.net/cmtn], comunidade no Orkut e suas músicas podem ser encontradas facilmente na internet. Mas algumas das principais conquistas do CMTN foram fruto do mais velho dos meios de comunicação – o boca-a-boca.

Conta a lenda que a primeira demo da banda foi parar na mão de Joe [baixista de Pitty] e foi a trilha sonora da gravação de “Anacrônico”, o novo álbum dela. Depois disso, conseguir um empresário em São Paulo, shows e espaço na MTV foi um pulo. Carlos Eduardo Miranda, daTrama Virtual, esteve em Salvador para ouvir o som dos caras. Agora a banda planeja ir a Sampa para conquistar um novo público e tentar, enfim, viver de música. “Tem que ter muita raça pra tocar rock em Salvador. Faltam casas de show, estrutura, tudo. Em São Paulo, queremos oportunidades”.

Olha a Minha Cara - CMTN
R$ 5
cmtncontato@hotmail.com

Olhem a minha cara. Cara de quê?

O novo EP do CMTN, “Olha a Minha Cara” [que será lançado no dia 11/12], não traz grandes novidades para quem já conhece a banda há algum tempo: “Este trabalho pode ser visto como uma continuidade de nossa demo, só agora as músicas estão mais bem trabalhadas”, explica o guitarrista Danilo. Por outro lado, as sete canções são uma amostragem do estilo da banda. Para a vocalista Andréa, “no segundo álbum está mais nítida a influência de cada um”.

Verdade. O CMTN pode ser localizado no encontro de algumas tendências do rock dos anos 90 que, na eterna batalha da autenticidade, perderam o posto de “queridinhos” da crítica para o rock inglês. Misturando new metal, grunge, emo e hardcore ao rock brasileiro, “Olha a Minha Cara” é a prova de que existe novidade no mundo do rock fora da influência do indie.

É entre estes subgêneros do rock que a banda tenta encontrar sua cara. É uma proposta que faz sentido e tem futuro, mas que, algumas vezes, causa certa confusão - como em “O Que Te Faz Voltar”, que é uma boa canção, mas fica meio deslocada do resto do álbum com sua sonoridade “samba-circense”.

Mas o que agrupa as sete canções do álbum e diferencia o CMTN das diversas bandas de new metal que apareceram nos últimos anos é a influência que Andréa carrega do rock brasileiro, em suas letras e modo de cantar. “Eu gosto de Los Hermanos, Cassia Eller, Cazuza, Titãs velho, entre outros”, explica.

Esta influência fica bem clara no modo como ela emposta a voz e alonga as sílabas no final das frases e também em suas composições. Geralmente Andréa chega com a composição pronta no violão e o resto da banda fica responsável pelo arranjo, mas outras vezes Helinho aparece com alguma frase na guitarra e ela coloca a letra – todas em português. “O que nasce dentro de mim é em português. Eu não tenho escolha”, completa.

Mas é também o modo de Andréa cantar o alvo da maior parte das críticas negativas dirigidas à banda: a repetição de alguns esquemas melódicos na maior parte das canções, seu timbre grave e um certo maneirismo fazem ela soar como um menino em plena puberdade. Uma imagem bem apropriada. Afinal, na Terra do Nunca, os garotos nunca crescem.
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